domingo, 15 de dezembro de 2013

Antonino Palumbo*


      Na noite do Natal de 1223, na floresta reatina do centro da Itália, na cidade de Greccio, um jovem, que havia purificado o seu coração do apego aos bens materiais, desposava a "madona" pobreza e, com ela, a natureza toda, com o "irmão sol, irmão vento, irmã lua e irmã água".
      As núpcias tiveram o concerto dos Anjos, ao qual respondia o coral das estrelas, que enchiam o céu da noite mais longa do ano, que, conforme um antigo ritual pagão, se estendia até se confundir com a terra iluminada pelas tochas dos pastores.
O mesmo céu estrelado, que havia encantado o astrônomo alemão, Kepler, que, em sua completa pobreza e cegueira, com idade bem avançada, ouvia a música das estrelas; aquele céu estrelado que encantara o divino poeta, Dante, a ponto de exclamar:
      " Eppur miriamo in giuso!" "E, todavia, olhamos para baixo!". O mesmo céu estrelado que já havia comovido Emmanuel Kant; em seu túmulo, consta a seguinte inscrição: "O céu estrelado em cima de mim, a lei moral dentro de mim". Frase esta que sintetiza o pensamento do homem e do filósofo.
      Foram as notas do canto angelical do "Gloria in Excelsis" a tocar no coração de Francisco, puro como aquele dos pobres pastores de Belém, que lhe fizeram descobrir o sentido da existência, e que ele expressava no louvor ao Criador e à Natureza, em sua vida alegre e dinâmica, magnificando o amor, o perdão.
      Sua poesia simples e espontânea comove, até mesmo, Dante. O verdadeiro artista, aquele que sente o chamado da natureza, é poeta, músico, pintor, e, amiúde, se manifesta, inclusive, através de outros meios expressivos. Assim, Francisco foi, também, escultor e cenógráfo, construindo o primeiro presépio, que, na sua simplicidade, certamente, foi um verdadeira obra prima, pois tinha sido iluminado pela luz da sua fé, da emoção e da fantasia.
      Apesar de sua obra não chegar até nós, o eco de sua mensagem se difundiu na Toscana e no Lácio, para, depois, triunfar em Nápoles, entre 1700 e 1800, com as obras primas, que todos nós podemos admirar, presentes na Igreja de Santa Maria La Nova, nos museus do Palácio Real, ou, mesmo, em São Paulo, no Mosteiro da Luz.
      O fascínio exercitado pelo céu estrelado sobre os puros de coração e sobre todos os povos primitivos é encontrado em diversas formas plásticas e simbólicas de antigos rituais. A sorte de Francisco está em sua simplicidade, que põe a sua alma transparente frente à realidade e se torna um verdadeiro artista, ou seja, um ser criativo.
      O presépio que construímos ao final do ano astronômico, isto é, no solstício de inverno, no hemisfério norte, cai na mesma data inicial do ano, nos propondo o grande ritual cósmico, cadenciado pelo nascimento, crescimento e fim. De alguma maneira, representa a regeneração do tempo: a passagem, na qual lemos a suspensão da história, ou do tempo profano e a instauração do tempo sagrado.
      A fascinação do presépio reside, mesmo, no significado simbólico do início do tempo. Neste tempo místico, onde passado, presente e futuro estavam juntos; naquele "in illo tempore", acontecia a Criação e a organização do Cosmo e da Revelação.
Nas nossas igrejas, durante a preparação do presépio, o espaço reservado a ele é coberto por uma cortina, quase a significar que "in illo tempore", as espécies não haviam sido organizadas.
       O presépio nos acompanha desde este primeiro tempo, até o fim da noite de Santo Antônio Abade, no dia 17 de janeiro, quando os seus restos serão queimados, há pouca distância da quarta-feira de cinzas. Voltarão as chamas, as formas fluidas do fogo das cinzas, da umidade dos gases que constituem o extremo oposto do tempo, momento no qual a história sagrada de cada um de nós e de toda a humanidade terá fim, e se iniciará o tempo sagrado da eternidade.
      Então, o lobo habitará junto ao cordeiro, o leopardo partilhará o covil com a corça e "Nec magnos metuent armenta leones" "Os rebanhos não terão medo dos grandes leões, (Virgílio, Egl. IV).
      A iluminação do presépio é constituída de uma sucessão de trevas noturnas e luzes diurnas. O gradual apagar das luzes simboliza a noite cósmica, na qual todas as formas perdem os contornos e se confundem no caos, enquanto o reaparecer das luzes da aurora simboliza a Criação, a restauração das formas e dos limites.
      A mística luz do presépio, símbolo do Cosmo, da Ordem, nos reconduz ao ano zero da era moderna e da infância de cada um de nós, quando, no nosso coração, ainda havia o eco da pulsação do coração da mãe. O som da gaita de fole, o espetáculo inventado do presépio, o perfume áspero do musgo, misturado aos odores da pintura e do incenso, a figura de uma criança divina jacente em uma manjedoura, aquecida apenas pelo olhar da Virgem e pelo bafo de dois animais, haviam gravado, na nossa memória incontaminada infantil, um sinal profundo e indelével, feito de piedade e sentimento, iluminado pela luz daquela inocência fantasiosa, que hoje acorda na contemplação da plástica presepial.
      A fogueira de Santo Antônio Abade, segue um intervalo de trevas: o carnaval, símbolo da inocência perdida, na qual, porém, junto aos delírios carnavalescos saturnais, se experimenta a inversão da ordem natural, aparecendo as máscaras que, em todos os rituais antigos, representavam as almas dos mortos.
      Depois, volta a luz do círio pascal.
      No presépio, junto à gruta, notamos um mundo de ricos, cegos e surdos atendendo ao chamado dos Anjos e uma multidão de pobres, que corre para a mesma. O presépio representa, também, a coexistência dos opostos.
      O presépio, imagem estática, na qual, porém, encontramos os Magos em movimento, indica uma viagem e, por isto, propõe o ritual mágico da abolição do tempo e do espaço profano; uma viagem na garupa dos cavalos, outro símbolo mágico, comum em inúmeros ritos antigos.
      Nos ritos do presépio, encontramos o chamado, não somente dos humildes pastores, mas, também, dos sábios astrônomos. Faltam os doutos da época, os fariseus, os sacerdotes do Templo, que conheciam as Escrituras; aqueles que "tinham olhos e não enxergavam, tinham ouvidos e não ouviam".
      Os verdadeiros sábios não encontram tempo para espetáculos da vida pública, mas, com humildade, procuram, no acidental, as raízes do conhecimento.
Os primeiros pesquisadores da humanidade foram os astrônomos, que procuravam, no céu, sinais excepcionais. Assim, os Magos descobrem que, no ano da Natividade, aconteceria, no céu da Palestina, um evento cósmico extraordinário, que as Escrituras chamam de cometa.
      O presépio é o primeiro símbolo da Jerusalém, onde é colocada a árvore da Cruz. A nova árvore da vida. Freqüentemente, no presépio, há musgo nas paredes, como também, galhos de árvore de cabeça para baixo, símbolo de várias tradições antigas.
Assim, a tradição indiana representa o Cosmo em forma de árvore, que afunda suas raízes no Céu e estende seus ramos sobre a Terra. A Katha-Upanisad (VI, 1), "este Asvatta eterno, cujas raízes vão para o alto e os ramos para baixo é o puro (Sukram) Brahaman, a não morte".
      Platão afirma que o homem é uma árvore invertida, cujas raízes se espalham no Céu e os ramos na Terra. A mesma tradição se encontra na doutrina esotérica hebraica, a árvore da vida se estende do alto para baixo e o sol a ilumina inteiramente.
O mesmo acontece com a tradição islâmica da árvore da felicidade, cujas raízes afundam no último céu e os ramos se estendem na terra.Dante apresenta as esferas celestiais, como a coroa de árvores, com suas raízes voltadas para o alto.
      Nas tradições populares de algumas regiões, encontramos, ainda, a árvore, com os ramos virados para baixo, como o musgo das casas de nossos presépios.
      Há uma completa ignorância acerca da data do nascimento de Cristo. O calendário litúrgico a estabelece muito próxima ao do solstício de inverno (hemisfério norte), no qual o sol inicia um aparente movimento de subida, que culmina no solstício de verão. Nos primeiros séculos do Cristianismo, celebrava-se o Natal no dia 6 de janeiro, coincidindo com uma antiga festa do sol. No século IV, a data foi transferida para 25 de dezembro, dia já consagrado ao nascimento de Mitra _ divindade solar venerada na época imperial, durante a qual se dividia o fervor religioso e salvífico, junto à religião de Cibele, aos mistérios de Íside e do Cristianismo.
      Desta forma, a escolha do 24 de dezembro e do 24 de junho, para as celebrações das festividades de São João Evangelista e de São João Batista, simbolizam a regeneração do tempo novo e do velho. O ritual cristão segue, então, o curso solar dos dois solstícios. Na visão mitológica, solstício = sol stat, significa a suspensão do tempo profano e a inauguração de um tempo sagrado. Então, solstício chama à imaginação o momento atual, cíclico, cósmico do "Big Bang", acontecido por volta de 18 bilhões de anos atrás.
      Aquele "in illo tempore" representa o tempo mítico, no qual o passado coincide com o presente e o futuro, o momento no qual o Cosmo se organiza, isto é, passa da forma fluida à contornos definidos. Os quatro elementos básicos estabelecidos pelos indianos e, depois, pelos pré-socráticos _ ar, fogo, umidade, poeira impalpável (água e terra seriam erros de tradução) _ assumiam formas e limites próprios.
      Há dois mil anos atrás, os cientistas eram astrônomos e astrólogos, pois conheciam bem os eventos astrais e os relacionavam à história da humanidade. O horóscopo moderno não seria uma forma deturpada desta herança cultural? Não surpreende, portanto, que a Escritura associe o nascimento de Cristo com a passagem de um cometa.
      Conforme as Escrituras, os sábios Magos chegaram do Oriente seis anos após o evento esperado. Em Jerusalém, consultaram os sacerdotes depositários de uma cultura diferente, cujos livros sagrados atestavam o advento de um Messias por aquele tempo. O fenômeno do cometa era conhecido pela ciência oficial na época da Natividade.
Para Antonino Palumbo, o cometa da Natividade não seria o Halley. Em 1301, Giotto, observa a passagem do cometa, e o imortaliza na famosa "Adorazione dei Magi".
      O evento astronômico observado pelos Magos poderia estar ligado ao efeito gravitacional. A hipótese explica a periodicidade orbital dos planetas maiores, demonstradas pelo autor deste artigo, nos desastrosos terremotos a escala planetária.
A hipótese daria uma interpretação sobre a correlação da atividade sísmica e solar defendida pela escola chinesa _ dez séculos antes de Cristo _, descoberta pela literatura científica recente. É importante lembrar que a origem da palavra desastre vem do latim: "dis astrum", isto é, astro o prefixo depreciativo "dis", quase a indicar uma correlação entre as catástrofes naturais e as atividades dos astros, especialmente, do sol.
      Também Shakespeare e, depois, Verdi apostrofaram Desdêmona: "Fanciulla nata sotto maligna stella" [Menina nascida sob a estrela maligna].No presépio do Cosmo, Francisco, que vive em cada um de nós, nos convida a viver as núpcias do Céu e da Terra, no tempo sagrado da eternidade.
*[Síntese do artigo de Antonino Palumbo Professor de Física Terrestre da Universidade de Nápoles, publicado no jornal "Il Mattino", de Nápoles, traduzido por Mario Palumbo, irmão do autor]

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